Criaram uma
constituição Frankenstein, na qual o presidente, que é responsável pelo
governo, não tem os poderes para governar; quem tem esses poderes é o
Congresso, que não tem a responsabilidade de governar
“Há no Congresso uma minoria
que se preocupa e trabalha pelo país, mas há uma maioria de uns 300 picaretas
que defendem apenas seus próprios interesses.” A constatação é de 1993, do
presidente do PT, Luiz Inácio Lula da Silva, depois de ter sido, por quatro
anos, deputado constituinte. Dois anos depois, a constatação virava música dos
Paralamas do Sucesso: “Luiz Inácio avisou, Luiz Inácio avisou/São trezentos
picaretas com anel de doutor”.
O tempo passou, a prática continuou, e, em
fevereiro de 2015, foi o ministro da Educação de Dilma, Cid Gomes, que avisou:
“Tem lá uns 400, 300 deputados que, quanto pior, melhor pra eles, que querem
que o governo esteja frágil, porque é a forma de eles achacarem mais, tomarem
mais, tirarem mais dele e aprovarem suas emendas impositivas.”
Semana passada foi a vez de
um ministro de Bolsonaro, general Augusto Heleno, dar o aviso. Não o fez em
público, mas numa queixa privada, para o ministro Paulo Guedes, captada por um
microfone indiscreto: “Não podemos aceitar esses caras chantageando a gente o
tempo todo. F…-se.”
Mais tarde, em nota, o ministro da Segurança Institucional
acrescentou: “Isso prejudica o Executivo e contraria os preceitos de um regime
presidencialista. Se desejam o parlamentarismo, mudem a Constituição.”
A Constituição de 1988 é a origem
disso. Logo que foi promulgada, entrevistei o presidente José Sarney na TV e
ele disse: “Esta Constituição torna o país ingovernável”.
Em 2014, com 28 anos
de observação, Sarney, que viveu a maior parte da carreira política no
parlamento, acrescentou: “A compulsão de expandir poderes torna o país
ingovernável. O parlamento desmoralizou-se, instituiu práticas condenáveis.”
Eu
cobri a Constituinte e sei como aconteceu. Estavam fazendo uma constituição
parlamentar e o presidente Sarney se mobilizou contra. De consolo, fizeram uma
emenda presidencial, dando ao presidente a medida provisória. E criaram uma
constituição Frankenstein, na qual o presidente, que é responsável pelo
governo, não tem os poderes para governar; quem tem esses poderes é o
Congresso, que não tem a responsabilidade de governar.
O resultado é que, para governar, os
presidentes se entregaram aos partidos, cedendo ministérios e estatais, o que
gerou a maior corrupção institucionalizada.
Chamou-se isso de “presidencialismo
de coalizão” — um eufemismo para esse “Frankenstein”. O atual governo
interrompeu o acesso do monstro e afetou as “práticas condenáveis” e “os
próprios interesses”, aplicando a separação de poderes, prevista na
Constituição.
A situação foi agravada com as emendas impositivas — dê o
dinheiro aos deputados, ainda que falte para quem tem o ônus de cobrar os
impostos e governar. E agora articulam a derrubada de um veto do presidente
para usar mais R$ 30 bilhões em ano de eleição municipal.
Por: Alexandre Garcia/Correio Brasiliense
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