A pandemia apagou o que foi preparado durante o ano
inteiro e ignorou o calendário junino, mais tradicional em cidades como Caruaru
(PE), Campina Grande (PB), Mossoró (RN), Cruz das Almas, Amargosa e Senhor do
Bonfim (BA)
Foto Ilustração |
O artesão Sebastião Luiz da Silva,
78, morador de Caruaru, no interior de Pernambuco, diz que não reconhece sua
cidade. Nunca viveu um mês de junho assim. "Este não é o meu
planeta", resume a ausência, pela primeira vez na história, da maior
celebração do interior nordestino: o São João.
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A pandemia apagou o que foi preparado
durante o ano inteiro e ignorou o calendário junino, mais tradicional em
cidades como Caruaru (PE), Campina Grande (PB), Mossoró (RN), Cruz das Almas,
Amargosa e Senhor do Bonfim (BA).
CARUARU(PE)
Morador do Alto do Moura, um pedaço
pequeno de Caruaru que recebe uma multidão no São João durante 30 dias,
Sebastião personifica o sentimento de milhares de nordestinos. Sente falta de
tudo. Do milho assado, da fogueira na frente de casa, do forró esticado até o
dia amanhecer, das quadrilhas, dos tiros ensurdecedores dos bacamarteiros e do
movimento intenso de visitantes que vai de maio até o início de julho. Reclama
até de não sentir a ansiedade da espera.
"Quando chega maio, tudo já vai
se transformando por aqui. É uma fartura, muita gente na rua. A chuva começa e
o milho vem. Esperar chegar o dia do São João é muito bom", diz.
Perto da casa dele, uma máscara de
pano cobre o rosto da estátua do mestre Vitalino (1909-1963), o mais famoso
artesão de bonecos de barro de Caruaru. É o sinal de que está tudo pelo avesso.
Não há qualquer decoração alusiva ao São João.
Bares e restaurantes permanecem
fechados. No vazio do principal pátio de eventos de Caruaru, um Luiz Gonzaga
gigante em pedra se impõe na paisagem com uma proteção no rosto. No local, onde
uma multidão se espremia durante esta época do ano para acompanhar shows, resto
de frutas, pessoas passeando com cachorros e crianças andando de bicicleta.
"Eu já chorei muito. Choro
quando lembro que não teremos essa festa. A gente respira o São João", diz
Lucineia Ferreira, responsável pela Molecadrilha, a mais antiga quadrilha de
São João de Caruaru. "Já estava quase tudo preparado. Começamos a ensaiar
em agosto", conta.
Só em Caruaru, onde ocorrem mais de
800 apresentações artísticas durante um mês inteiro do ciclo junino, 3 milhões
de pessoas eram aguardas neste ano. A cidade deixou de movimentar R$ 200
milhões na economia.
"O calendário de Caruaru é
dividido em dois períodos: antes do São João e depois do São João. É o momento
em que a gente se enxerga protagonista durantes dois meses", lamenta a
prefeita da cidade, Raquel Lyra (PSDB). A prefeita decidiu não bancar lives de
artistas, mas usar as apresentações virtuais para fazer o chamado São João
Solidário. As lives vão servir para arrecadar alimentos para quem ficou sem
trabalhar na festa, caso de artistas populares.
A cidade já tinha captado com a
iniciativa privada R$ 7 milhões. O dinheiro será utilizado na festa do próximo
ano. "Vivemos um sentimento de profunda tristeza. A gente se pega ouvindo
uma música e chorando. Não é simples", lamenta a prefeita.
Os hotéis e pousadas da cidade estão
vazios ou com taxa de ocupação mínima. Dono de um dos principais hotéis de
Caruaru, o empresário Fábio Couto teve que demitir 17 funcionários. Após um
período fechado, retomou as atividades há dez dias, mas a ocupação não passa de
10%. Na Bahia, o governador Rui Costa (PT) emitiu um decreto cancelando os
festejos juninos em todos os municípios baianos devido à pandemia e antecipou o
feriado estadual do dia 24 de junho para o mês de abril.
O estado tradicionalmente tem festas
de santo Antônio, são João e são Pedro espalhadas por todo o território. As
maiores acontecem nas cidades de Cruz das Almas, Amargosa e Senhor do Bonfim.
CRUZ DAS ALMAS (BA)
Em Cruz das Almas, cidade de 63 mil habitantes
do recôncavo baiano, a prefeitura optou por cancelar o São João e não ter
nenhuma programação festiva durante o de junho neste ano. Não haverá shows,
apresentações de quadrilha, bumba-meu-boi, nem tradições como pau de fita e o
casamento na roça.
"Estamos todos muito tristes,
mas tristeza maior é esta pandemia. Entendemos que não havia clima para
celebrar nada quando estão morrendo 1.200 pessoas por dia no país", afirma
o prefeito Orlando Peixoto (PT).
A cidade chega a ter até 100 mil
pessoas por dia nas ruas durante cinco dias de festa do São João, incluindo
entre 30 a 40 mil turistas que circulam pela cidade e movimentam a economia.
Muitos deles vêm em grupos e hospedam-se em pousadas e alugam casas na cidade.
A prefeitura estima que a festa movimente
cerca de R$ 30 milhões na economia da cidade, incluindo hotéis, bares,
restaurantes, quituteiras, fabricantes de licor e de fogos de artifício. Sem a
festa, a prefeitura orientou a população a evitar acender fogueiras, soltar
fogos de artifício e receber parentes de fora da cidade. Também vai
intensificar a fiscalização nas entradas da cidade, com um reforço nas
barreiras sanitárias que já estão em atuação. Além do setor de turismo, o
comércio deve sofrer um baque com o cancelamento dos festejos juninos.
Na Bahia, o São João é considerada a
segunda principal data de vendas, superando até o Dia das Mães. De acordo com
cálculos da Fecomércio Bahia, o cancelamento dos festejos deve provocar uma
queda nas vendas de 23%, afetando principalmente os setores de supermercados e
vestuário.
CAMPINA GRANDE (PB)
Em Campina Grande, cidade da Paraíba
que vive uma disputa saudável com Caruaru para saber quem faz o maior e melhor
São João do mundo, o sentimento é o mesmo. Como a estrutura para receber a
festa é muito grande, boa parte já estava com a montagem iniciada.
"Imagine você cancelar uma festa
que está no DNA da população e da cidade. O sentimento é de profundo
vazio", diz o prefeito Romero Rodrigues (PSD). A expectativa era que 2
milhões de pessoas passassem pela cidade durante o ciclo de celebração.
Além do impacto cultural, a não
realização da festa tem uma repercussão negativa grande em toda a cadeia
produtiva da festa. A receita de ICMS neste ciclo junino supera o mês de
dezembro.
A festa emprega diretamente mais de
5.000 pessoas. O impacto financeiro calculado é de R$ 200 milhões. Uma série de
lives com artistas famosos, entre eles a paraibana Elba Ramalho, foi
programada.
O prefeito ainda espera realizar o
São João entre os dias 9 de outubro e 8 de novembro. Mas não é garantido:
"Não sabemos ainda se, daqui para lá, vai ocorrer uma trégua". Em
Caruaru, as pessoas já se conformaram. "Não funciona em outra data.
Em 2021, vamos fazer a maior festa da
história. Vai ser um São João dobrado", diz Lucineia, que pretende retomar
os ensaios de sua quadrilha junina assim que a pandemia for controlada.
Por: Redação/Folhapress
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