Editorial: O 8 de janeiro e o “Abraço na Democracia” que não encerra o debate

 

Manifestantes no oio de janeiro de 2023 Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil



O Brasil vive um ciclo político marcado por eventos que, ao invés de se tornarem um ponto de reflexão e superação, transformam-se em espetáculos contínuos.

O 8 de janeiro de 2023, dados em que manifestantes invadiram e depredaram a Praça dos Três Poderes em Brasília, é um exemplo claro disso. Este episódio, que deveria ser tratado com a dívida seriedade e imparcialidade jurídica, tornou-se palco de uma narrativa perpetuada pelo governo federal, culminando em audiências simbólicas que misturam política e espetáculo.

Nesta quarta-feira, o governo federal realiza mais um evento para marcar a data, com discursos, entrega de obras de arte restauradas e um gesto simbólico liderado pelo presidente Lula, que descerá na rampa do Palácio do Planalto junto às autoridades e público para um “abraço simbólico” na democracia. A intenção oficial parece ser clara: reforçar o compromisso com os valores democráticos e reforçar os riscos de retrocessos autoritários. Contudo, a forma como o episódio vem sendo prolongado levanta questões sobre a eficácia dessas ações e a disposição real de enfrentar os desafios democráticos de maneira concreta e equilibrada.

Justiça ou Espetáculo?

Um dos pontos mais críticos é a condução das investigações e julgamentos relacionados ao 8 de janeiro. A oportunidade de demonstrar o comprometimento genuíno com o Estado de Direito foi comprometida por denúncias generalizadas e decisões judiciais que, em muitos casos, carecem de provas concretas. O Ministério Público Federal apresentou acusações amplas e sem individualização adequada das condutas, o que levou o Supremo Tribunal Federal a condenar centenas de pessoas a penas severas, chegando a 17 anos de prisão, sem evidências robustas que sustentam tais condenações.

Ao tratar com leviandade o princípio da individualização da pena e o devido processo legal, as autoridades deslegitimam o sistema de justiça e reforçam o sentimento de polarização na sociedade brasileira. Não se trata de negar os atos criminosos cometidos por parte de manifestantes que, de fato, atacaram os prédios públicos, mas sim de exigir que as punições sejam fornecidas, com base em provas sólidas, e que as investigações busquem separar os responsáveis ​​diretamente dos indivíduos que, apesar de estarem no local, não tiveram envolvimento em atos violentos.

A Política do Eterno Retorno

Se, por um lado, a esquerda brasileira encontra no 8 de janeiro um símbolo conveniente para reiterar a necessidade de defender a democracia, por outro, essa insistência em manter a data viva na memória coletiva corre o risco de sufocar o debate mais amplo sobre os problemas estruturais do país. A democracia não se fortalece apenas com discursos ou gestos simbólicos; ela exige um compromisso efetivo com o diálogo, a transparência e a construção de instituições que funcionem para todos os cidadãos.

Enquanto a narrativa oficial insiste em reforçar a gravidade dos acontecimentos daquele dia, o que se observa é a incapacidade de virar a página com uma resposta eficaz e que respeite os princípios democráticos. Assim como "o ano que não terminou", o 8 de janeiro parece destinado a ser "o dia que não termina", com uma memória constantemente evocada para fins políticos.

Um Abraço Simbólico que Deve Ser Real

O Brasil precisa de um “abraço na democracia”, mas ele deve ir além do simbolismo e alcançar o campo das ações concretas. É essencial que as investigações sejam conduzidas com rigor técnico, que as condenações sejam baseadas em evidências claras, e que o respeito pelos direitos e garantias fundamentais seja a pedra angular de qualquer processo judicial.

O desafio não é apenas superar o ferido em 8 de janeiro, mas garantir que a democracia brasileira seja suficientemente robusta para enfrentar desafios futuros. Isso exige muito mais do que cerimônias e discursos simbólicos: exige ações concretas, compromisso genuíno com os princípios democráticos, justiça imparcial e, sobretudo, equilíbrio.

Por: Natan Tavares/Inova News

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